ídalo - parte dois
Cristovam Buarque
A Bolsa-Escola surgiu como uma solução simples para uma questão complexa: considera que a escola é o caminho para superar a pobreza, e a bolsa um instrumento para colocar os pobres na escola. Por isso, quando foi implantada pela primeira vez no Distrito Federal, em janeiro de 1995, a Bolsa-Escola baseava-se em dois pilares: fortes investimentos na educação pública e o pagamento de um salário mínimo por família, desde que todas as crianças estivessem na escola, com freqüência mínima de 90%. Por isso, o programa era administrado pela Secretaria da Educação.
Uma bolsa mensal, mesmo que de um salário mínimo, não seria suficiente para retirar ninguém da pobreza. Mas 11 anos de escola básica de qualidade seria, sim, o caminho. Para garantir isso, além do pagamento mensal à família, era realizado um depósito anual, em conta-poupança, para cada criança aprovada e matriculada na série seguinte. Ao final da 4ª e 8ª série, o aluno podia sacar até metade do valor depositado. A retirada integral só podia acontecer após a conclusão do Ensino Médio.
O custo anual da Bolsa-Escola e da Poupança-Escola era de R$ 35,8 milhões. O orçamento de educação era de R$ 1,6 bilhão. Portanto, esses programas representavam 2,2% do gasto total em educação no Distrito Federal.
Em 1997, o governo mexicano, inspirado pela idéia, implantou em nível nacional um sistema muito parecido, realizando altos investimentos na educação básica e determinando um valor elevado para a bolsa mensal. No ano 2000, no mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Governo Federal implantou a Bolsa-Escola em todo o país, embora com um valor pequeno, mas executada pelo Ministério da Educação.
O governo Lula mudou tudo isso. Substituiu Escola por Família, retirou a execução do programa do MEC, transferindo-a para a assistência social, dando-lhe um perfil totalmente diferente do objetivo educacional. O próprio Presidente, na comemoração do segundo aniversário da Bolsa Família, afirmou que não importa se o programa é assistencialista ou não.
Importa sim. Ao garantir educação, a Bolsa-Escola é um investimento que emancipa, ao passo que a Bolsa Família é o custo de manter a família na pobreza. Os filhos das crianças que receberam Bolsa-Escola não vão precisar dessa ajuda. Os filhos dos filhos da Bolsa Família continuarão dependendo dela. A Bolsa-Escola permitia às famílias um “subir na vida”; a Bolsa Família garante-lhes apenas o “continuar viva”. Por isso, elas terminarão conhecidas como Famílias da Bolsa, permanentemente dependentes.
Outra diferença está na relação do governo com as famílias. No caso da Bolsa-Escola, as mães sentiam-se remuneradas pelo trabalho de monitorar o aprendizado e a freqüência dos filhos à escola. A suspensão do pagamento da bolsa, caso alguma criança da família faltasse às aulas sem justificativa, quebrava o paternalismo. A Bolsa Família, vista como simples transferência de renda, sem a contrapartida do estudo nem o investimento na qualidade da educação, e administrada pela assistência social, transforma a família em submissa devedora do governo, recebedora de favores, passível de riscos eleitoreiros. Além de não educar as crianças, deseduca politicamente as famílias. Prova disso é a análise de que o resultado eleitoral de 2006 pode ser determinado pela lealdade dessas famílias da bolsa à candidatura do Presidente Lula.
É uma pena que um programa educacional tão premiado tenha se tornado assistencial. Uma bolsa para libertar agora aprisiona, transforma as famílias das crianças em famílias da bolsa.
Mas o mais grave é que há poucas chances de que a Bolsa Família volte a ser Bolsa-Escola, porque as famílias resistirão à exigência da freqüência às aulas. Isso aconteceu no Equador, onde havia um programa de renda solidária. Implantar a Bolsa-Escola implicaria um gasto adicional, já que era impossível retirar daquelas famílias um direito já adquirido. E como não havia recursos para os dois programas, mantiveram somente o assistencial, o programa Família-Bolsa.